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Guerra – Como Moldou a História da Humanidade | Margaret MacMillan

By Publicado novembro 06, 2021

A guerra sempre despertou fascínio e terror entre as populações consoante a sua proximidade. Disputada entre exércitos profissionais e cidades fortificadas, os civis sempre foram danos colaterais inevitáveis, muitas das vezes forçados, pelos seus próprios exércitos em retirada, a deixar atrás de si uma política de terra queimada, dificultando a progressão do exército invasor. Achados arqueológicos provam que a guerra existiu entre a humanidade desde o seu primórdio e que não foi preciso sistemas evoluídos de organização ou conceito de Estado para lhe dar suporte.
As duas grandes guerras, ao arrastar milhões de pessoas, criaram nelas a legítima expectativa de participar, com voz ativa, nas decisões que afetavam a suas sociedades. A guerra, ao deixar de ser um exclusivo dos nobres, recrutando milhões de cidadãos de todas as condições e classes, germinou neles o conceito de igualdade, a que as classes dominantes não podiam mais ignorar ou deixar de satisfazer.
As nações dominantes não precisavam apenas de ter umas forças armadas bem equipadas e treinadas, aptas a responder a qualquer ameaça ou conflito, tinham de ter também um sistema de financiamento, tributação e boa gestão de dívida. O ensino da população revelou-se igualmente importante, os soldados deviam saber contar e registar esses números e as chefias de ser capazes de escrever e ler relatórios. Assim a disseminação do ensino básico tornou-se fundamental para o sucesso de uma nação na guerra. A par disso, a capacidade de recrutar, entre a população, mancebos fisicamente aptos para a guerra, obrigou a olhar para a saúde pública com alguma atenção, promovendo a melhoria dos cuidados de saúde prestados. Algumas inovações sugiram como resultado direto da guerra, como a triagem nos hospitais, o alargamento do direito de voto às mais diversas classes sociais, incluindo as mulheres, respondendo a um sentido de justiça: quem era considerado apto a participar no esforço de guerra, também estava apto a participar nas decisões que afetavam o seu futuro coletivo.
Sendo a guerra indesejável, aparentemente, não faltam motivos razoáveis para a deflagrar; desde questões religiosas a sociais, a defesa do território ou a necessidade preventiva de colocar fim de um conflito em curso.
Inexplicável neste livro, a pouca importância dada pela autora à guerra civil espanhola, que visou de forma particularmente bárbara as populações civis, atingidas com a mesma fúria com que se dizimava o exército inimigo. Guernica, foi a primeira cidade não fortificada a ser bombardeada, e iniciou uma nova forma de se fazer a guerra. Quando os bombardeiros da legião Condor de Hitler bombardearam Guernica, escolheram o dia de mercado para que estivesse reunido o maior número de civis possível. A cidade não era um ponto militar estratégico nem participava de forma decisiva no esforço de guerra. A ideia foi a de esmagar a identidade basca, através de um massacre civil brutal e sem defesa possível. Na segunda guerra mundial, os bombardeiros de longo alcance, colocaram as populações civis na frente da batalha. Nos julgamentos de Nuremberga, o bombardeamento indiscriminado de populações civis, não entrou na categoria de crime de guerra, tendo sido ignorado.
O massacre de Guernica gerou, pelo génio de Picasso, o primeiro quadro de guerra retratando-a partir do ponto de vista do sofrimento das vítimas e onde o agressor não figura. A cada guerra, não só a tecnologia e as armas evoluem, mas também a consciência humana e a capacidade de a influenciar, como aconteceu com o fim da guerra do Vietname, da guerra colonial portuguesa ou, mais recentemente, com a retirada americana do Afeganistão. Falar sobre a guerra não a torna mais apelativa ou provável, mas desperta uma consciência coletiva que a pode travar.
Com novas armas aterradoras, a importância crescente da inteligência artificial, máquinas assassinas automatizadas e a guerra cibernética, enfrentamos a possibilidade do fim da própria humanidade. Não é o momento de desviarmos os olhos de algo que poderemos achar abominável. Temos, mais do que nunca, de refletir sobre a guerra.

António Ganhão
Acrítico - Leituras Dispersas

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